terça-feira, 24 de julho de 2012

Fazendo arte com palavras

Palavras podem ser muito mais do que palavras quando dizem muito mais do que parecem dizer. Eu as admiro. Acho que elas, ao menos, conseguem dizer o que eu não sei. Por isso que escrever é arte.


Para quem não sabe, sou professora. E se há algo que me realiza nesta profissão é quando meus alunos, mais do que me surpreender, se surpreendem com suas próprias produções. Quando disse que trabalharíamos com poesia... “Ah, professora, eu não gosto de poesia”. “Ai, ai”, pensei, “e agora?”. Quando propus que produzissem um poema inspirado nos Classificados poéticos, de Roseana Murray, confesso que fiquei ansiosa para ver os poemas que escreveriam. E não é que eles surpreenderam? A mim e a eles mesmos. Pelo menos foi o que senti (e sei que vocês estão lendo, corrijam-me se eu estiver errada).


Abaixo, os poemas produzidos pelos alunos do 9º ano do Colégio Santo Antônio (Santa Helena – PR).
Espero que gostem tanto quanto eu. 

Procura-se
Um homem
Loiro, de olhos verdes e cabelos longos.
Desde que se foi, só o tenho em pensamentos
E o vejo nos meus sonhos.
Sonhos tão doces.
Caso alguém o encontre,
Mande-o ao bairro da Saudade,
Rua do amor, número 12.
Alanna W. Ricardi
Layne W. Ricardi
  
Classificado
Troco amor por afetos e carinhos
Seja bonito ou feio
Rico ou pobre
Troco se for justo
Com garantia de amor eterno
Se for bem retribuído.
Ana Paula Manica da Luz
  
O coração
Aluga-se um coração
Para alguém que não o machuque
Recebendo a missão de lhe dar
O amor, a paz e a compreensão
Que o cuide como se fosse um diamante.

Cuidado! É delicado...
Sofre, grita e implora
Mas também sorri,
Se emociona e chora

Ela guarda os sentimentos
E os melhores momentos.
Ana Regina Anton

 Vende-se carro
Um dia alguns homens
Plantaram uma semente
Da qual nasceu um carro
Muito surpreendente

O carro é veloz
E não adianta procurar outro
Porque igual não existe
A viagem fica espetacular

Se você quiser comprar
Eu te parabenizo
Pois vai fazer um grande negócio
De amigo para amigo.
Carlos Henrique Junges
  
Rumo ao paraíso
Vende-se um carro
Que acelera rumo ao paraíso
Onde se pode realizar
Os mais lindos sonhos
E até torná-los realidade
Pode ser reabastecido
Por sua própria vontade.

Com ele podes ir até o fim
O fim do arco-íris
No qual irá encontrar
Não um pote de ouro
Mas um baú do tesouro
Recheado de sentimentos.
Eduarda Thaís Tomasi
  
Confeiteiro
Procura-se uma confeiteira
Que possa enfeitar a vida
Adoçar seus amores
E colorir seus sonhos.
Garantia de satisfação ao cliente.
Valor a negociar com você.
Emily M. Goldoni
  
Sentimento à venda
Vende-se um sentimento
Um sentimento neutro
Que ninguém sabe explicar.

Mas eu troco esse sentimento
Pela felicidade,
Desde que você saiba lidar.

A amizade e o carinho
Também estão inclusos
Para você poder aproveitar.

Um pouco de tristeza
Porque forte tem que ser
E poder a vida continuar.
Jennifer V. Saggin
  
Procura-se
Procura-se um mundo melhor,
Onde tudo seja tranquilo,
Onde tudo seja maravilhoso,
Onde tudo seja divino.

Procura-se um mundo melhor,
Um mundo que só tenha paz
Com pessoas amigas e muitos animais.
Um mundo assim... quem me traz?
Jéssica V. Saggin
  
Pintor
Procura-se um pintor
Que não pinta e sim emociona
Que usa as cores mais bonitas
Para clarear o meu dia.

Procura-se um pintor
Com sede de amor
Que usa as cores da noite
Para meu dia alegrar.
Júlia  R. M. Pires
  
Procuradas
Procuram-se pessoas que saibam dar valor
Que ajudem na dor
E que o façam por amor.

Procuram-se pessoas carinhosas
E não precisam estar perto
Para serem amorosas.

Enfim, procuram-se pessoas queridas
Que sejam nossas amigas
E façam parte das nossas vidas.
Keoma C. Vianna
  
Vende-se
Vende-se um carro
Um carro econômico
Não gasta com nada
Um carro invisível
Mas realiza seus sonhos
Até os impossíveis.
Lucas Pelizza Carrer
  
Eletricista
Procura-se eletricista
Que acenda luzes
Para pessoas que estão apagadas.
Necessitamos de uma pessoa especializada
Em acender sonhos
Para os desiludidos
Precisamos reacender o amor
Entre casais e famílias que estão em crise.
Favor entrar em contato
Para reacender vidas.
Maria Eduarda Sassi de Souza

 Vendem-se sonhos
Sou um vendedor
Mas não um vendedor qualquer
Sou vendedor de sonhos
Mais conhecido por “doutor”.

Trabalhava em qualquer clima
Muitos não acreditavam em mim
Mas dei a volta por cima.

Não sou um mágico
Porque não faço truques
Realizo sonhos, bons ou trágicos.
Maycon A. Härter
  
Desaparecidos
Procura-se o amor
Só gostaria de saber onde ele está...
Será que está se escondendo?
Mas por quê, se ele sabe que faz bem às pessoas?
Procura-se a felicidade
Hei, felicidade, cadê você?
Por que você sumiu daqui?
Sabe, eu vivia muito bem quando você estava aqui.
Procura-se a fidelidade
Você também anda sumida...
Por que não volta pra cá? Todos te procuram.
Tendo fidelidade, tem amor verdadeiro. E tem felicidade, também.
Hei, vendedor de sonhos, traga isso tudo para nós, estamos precisando.
Você está demorando...
Coloque amor no coração das pessoas. E fidelidade, também, pois elas não estão dando valor aos sentimentos.
Hei, vendedor de sonhos, na verdade o que precisamos mesmo é de uma dose de desapego. Mas isso é só com o tempo mesmo.
Milena F. Weide

 Vendedor
Vende-se uma bolsa
Que guarda todos os seus sentimentos
Todas as recordações
Mas não guarda as angústias
E muito menos ressentimentos.

Se você está interessado
Sabe onde achar
Siga seu coração
Para o vendedor encontrar.
Moacir Coppini Jr.
  
Compro
Compro o ar,
Compro o vento
Compro a menina do meu pensamento.

Quando a vejo,
Desperta um desejo
Eu fico louco
Querendo o seu beijo.

Mas ela ninguém vai comprar
Pois a menina só eu posso imaginar.
Orlando Urbano Neto
  
Palhaço
Procura-se um palhaço
Que tenha apenas um braço
Para poder animar e aproveitar
Aquele único momento.

Braço pequeno
Coração enorme
Com qualquer roupa ele faz seu uniforme.
Vinícius Mateus

Nestes poemas, mesmo sem vender ou trocar algum sentimento, há uma oferta imperdível de belas palavras.  
Sonhador
O sonhador
Cheio de ilusão e de fantasia
Cheio de paz e de alegria
Cheio de vida!
Refugia-se num mundo
Onde tudo é possível
Onde não existe uma bruxa má
Onde não existem o ódio nem o rancor
Onde não existe a dor
Onde há um final feliz
Onde há abraços e beijos
Onde há compreensão e carisma
Onde há esperança
O sonhador...
Ana Regina Anton

 Janela da vida
Naquela janela
Vi o tempo passar
Dia pós dia
Noite pós noite.

Certos dias
Nem vi a imensidão
Do céu azul
Pois havia muitas nuvens.

Naquela janela
Eu nasci
Naquela janela
Eu vivi
Naquela janela
Eu morri

Mas morri pensando
“O que seria dela sem mim?
E o que seria de mim sem ela?”.
Ilzo F. Figueiredo Filho
  
Outro lugar
Às vezes quero estar em outro lugar
Em outro lar, em outro ar
Um ar de felicidade, simplicidade e lealdade.

Às vezes contigo quero estar
Quero ficar, amar e adorar
Me apaixonar e voar
Em outro lugar.

Quero nas nuvens viajar
Mas, como no sol não há um mar,
Aqui deve ser o meu lugar.
Thaís Allegretti
  
A eterna amizade
Meus dias se passam
e percebo que
sem meus amigos
não vivo.

Eles são especiais,
únicos e incríveis
cada um com seu jeito.

Amo suas risadas.
Com os seus jeitos de falar
Que me animam e me deixam confortada.
Valéria Michelle N. Huang

O que meus olhos veem
Por que você é tão lindo?
Seus olhos azuis me encantam
Assim como quando vejo os pássaros cantando
Por que você é tão lindo?

Você, só você e mais ninguém
Me prende de um jeito que me faz refém.
Vanessa M. Henchen


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Lacuna


Os cabelos negros presos desajeitadamente revelavam uma certa despreocupação. As pernas cruzadas sobre a cadeira descansavam de um andar apressado e demorado. Estivera agitada naquela manhã. Andava à procura de algo que mal sabia o que era. E se encontrasse, finalmente? Não saberia. Talvez estivesse procurando respostas para perguntas nunca feitas. Até que parou. Viu em filmes antigos, gravados em sua memória, cenas que não sabia se eram verdadeiras. Pareciam imaginadas. Fictícias. Inventadas por uma mente obstinada a escrever histórias perfeitas. Perfeitas e, portanto, irreais. Ficou confusa, mas parou para assistir às cenas. De repente, não conseguia mais se mover. Estava carregada de dor e de pesar. Sensações que pesavam demais nos ombros da menina. E ela desabou.

No colo, um caderno aberto. Rabiscos de letras, nomes, datas, palavras. Muitas frases soltas em uma folha cheia de palavras vazias. 

Nas mãos, a caneta agora repousava nos dedos exaustos. Dedos que não sabiam escrever a história de sua própria vida. 

No rosto, a expressão de quem não sabe o que sente, de quem não sabe o que quer. Sentimentos vazios. Desejos indefinidos. E infinitos. 

No olhar, a busca por um ponto de equilíbrio entre o real e o imaginário. Um olhar perdido nos limites do tempo e do espaço. Perdido nas entrelinhas de uma história não escrita. Um olhar cansado de ver sempre a mesma história se repetindo. A mesma história sem sentido. Personagens reais em cenas inventadas? Ela escrevia roteiros com personagens que não pertenciam ao seu enredo. Personagens interpretados por atores de outras novelas. E que jamais fariam um papel em sua vida.

Naquela tarde fria e cinzenta de inverno, sentada sozinha com seu caderno, uma caneta e seus pensamentos, a menina tentou juntar letras, palavras, frases. Mas faltava alguma coisa para que tudo se encaixasse e fizesse sentido. Onde havia perdido as peças que completavam aquele teatro? Aliás, que peças faltavam?

No fim, o começo se perdeu no entremeio de histórias paralelas.

Os olhos cansados começaram a pesar. A folha cheia de vazios foi arrancada e jogada ao chão com a caneta frustrada por uma história mal escrita e sequer terminada. Fechou os olhos e adormeceu. 


Agora poderia, enfim, ter as cenas com seus personagens preferidos, mas que só podiam atuar em seus sonhos.  

A menina era uma lacuna a ser preenchida. Em sua própria história.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Inverno



O vento gelado daquela tarde chuvosa de julho invadia-lhe até os pensamentos. Sentia tremer o corpo frio envolto por um ar de ternura e tristeza. Fechava os olhos e sentia arrepiar até a alma. E ela se sentia bem. Nunca estivera melhor.

Sentada na varanda a observar a chuva, a menina sorria cada vez que um pingo lhe atingia o rosto, as mãos, os pés. Ela parecia gostar de observar a chuva. Parecia feliz assim. Parecia estar em paz. E estava. Seu sorriso não enganava. 

A tarde cinzenta a confortava. O céu escuro abrandava seu olhar. A chuva fria amenizava seu coração. Ela gostava de dias assim. Dias em que o sol não aparecia. Dias frios. Dias sombrios. 

Dias tão iguais a ela.

Parecia que o inverno de seu coração havia se espalhado pelo corpo todo.


E a menina torceu para que o sol demorasse a aparecer novamente.